Mitos, lendas, contos e outras histórias

3. A lenda da água do "São Caetano"

Há muito tempo, quando na Península Ibérica se misturavam línguas e religiões, estava de passagem por Aquae Flaviae, como então era conhecida a cidade de Chaves, um grupo de Visigodos, atraídos pelas águas termais desse local. Eles regressavam de Bracara Augusta, a atual Braga, e dirigiam-se para Xinzo de Limia a fim de estabelecer um tratado de paz com Teodemiro, chefe local. Como o estado de saúde da donzela Isisi se encontrava debilitado e não mostrava sinais de melhoras, o comandante Recaredo, seu pai, decidiu que era necessário que se avançasse o mais rápido possível para se chegar ao destino antes das neves de inverno.

Para evitarem os frequentes ataques daquela época, não seguiram pela via VXII. Assim, prosseguiram um pouco mais para norte. No entanto, Isisi parecia cada vez mais fraca e ardia em febre. Sem saber o que fazer, seu pai ordenou que se buscasse por todas as partes quem a pudesse salvar, enquanto isso o grupo acamparia num recinto abrigado próximo da capela do santo católico Caetano. Para a alimentação, os batedores caçavam animais que por ali havia, como javalis, veados e coelhos, enquanto as mulheres apanhavam alguns cogumelos e castanhas, como era costume.

À medida que os emissários iam chegando sem boas notícias, Roderico ficava mais nervoso e angustiado, chegando mesmo a castigar alguns dos mensageiros. Até que, no santuário, numa noite chuvosa, apareceu a um simples pastor um Cavaleiro de estranho aspeto. Estava todo coberto de negro desde o elmo ao próprio cavalo, e, apontando para uma laje que ali se encontrava e na qual incidia a claridade do pouco luar, traduziu um dístico latino. Dizia ele (é provável que não sejam exatamente estas as palavras, pois o pastor, cheio de medo, deve ter esquecido algumas), “Quem desta água pura beber, os seus males há de vencer.”. O camponês, mais aterrado com a aparição, do que com a fúria de Recaredo, correu a levar-lhe a informação.

O comandante, surpreendido não só pela coragem e ousadia desse Cavaleiro Negro de entrar no seu acampamento, mas também com a útil mensagem, mandou pôr todos os homens de vigia e foi ele próprio ver a inscrição nessa pedra. Sem outra alternativa, seguiu o conselho do misterioso Cavaleiro e, dando de beber água da fonte à sua filha, a verdade é que passados poucos dias, a donzela se encontrava totalmente restabelecida e eles puderam seguir viagem.

Diz-se então que, em honra deste Santo católico, estes visigodos regressaram frequentemente ao santuário, tendo inclusive travado aí perto batalhas contra os mouros, no sentido de o defender dos seus ataques. Roderico, por sua vez, desejou muito agradecer ao Cavaleiro Negro, mas ele nunca mais foi visto por estas paragens. Constava-se sim que vivia numa gruta nas Astúrias e a sua presença foi notada em vários combates contra os muçulmanos.

Em recordação desse acontecimento, o comandante mandou erigir um fontanário de modo a preservar-se o líquido milagroso. Ainda hoje é possível visitar o santuário de São Caetano, beber dessa água e ler a inscrição entretanto alterada “É de S. Caetano esta fonte pura quem nela beber de seus males cura”.

 

2. Lenda da Moura da Ponte de Chaves


Depois da retoma de Chaves pelos Mouros, em 1129, ficou alcaide do castelo um guerreiro que tinha um filho que adorava, de seu nome Abed, e uma sobrinha. Por vontade do alcaide, ambos ficaram noivos. A bela jovem não recusara Abed, pois os mouros poucos eram ali e nenhum lhe despertara paixão.

Uns anos depois, os cristãos do jovem reino de Portugal iniciaram a conquista da região de Chaves, tendo mesmo atacado a cidade. À frente do exército português estavam os cavaleiros Rui e Garcia Lopes, irmãos de D. Afonso Henriques. O alcaide e seu filho encabeçaram a resistência moura e a defesa do castelo. Mas a população da cidade, perante os ataques cristãos, começou a fugir da cidade desesperadamente. Era grande a confusão entre guerreiros e fugitivos. Impassível àquelas correrias, mantinha-se a sobrinha do alcaide. A vida pouco lhe dizia, desde que ficara órfã devido à guerra.

Entretanto, o alcaide e o filho lutavam tenazmente, embora sem sucesso.

Numa dessas ocasiões, enquanto apreciava os combates, a moura fixou os olhos num belo jovem guerreiro cristão que ganhava com os seus homens cada vez mais posições no castelo. No mesmo instante, o guerreiro parou a ofensiva. Dirigindo-se a ela, interpelou-a acerca da sua presença ali. O que fazia uma tão bela mulher num triste espectáculo daqueles? Respondeu a jovem que queria perceber a guerra, coisa que o cristão lhe disse ser só para homens que na guerra jogam a vida. Retorquiu a moura que o mesmo faziam as mulheres, dando-lhe o exemplo da sua orfandade devido à guerra. O cristão lamentou o facto e quis saber se ela estava só. Quando a moura respondeu que vivia com o tio, alcaide do castelo, o guerreiro mandou levá-la imediatamente para o seu acampamento. A luta prosseguiu, entretanto.

O castelo acabou por ser tomado e oferecido pelos Lopes a D. Afonso Henriques. Contudo, a jovem moura manteve-se refém dos cristãos que não a trocaram por cativos mouros. Passou a viver com o cavaleiro que a raptara, num ambiente de felicidade.

Abed, conhecedor da situação, nunca lhes perdoou. Depois de restabelecido de um ferimento de guerra, voltou a Chaves, disfarçado de mendigo. E como não conseguisse acercar-se da sua apaixonada, um dia esperou-a na ponte. Pediu-lhe esmola. A jovem estendeu a mão para o pedinte e, nesse momento, algo de fatídico aconteceu. Olhando-a nos olhos, Abed disse-lhe:
- Para sempre ficarás sob o terceiro arco desta ponte. Só o amor dum cavaleiro cristão, não aquele que te levou, poderá salvar-te. Mas esse cavaleiro nunca virá!


Ouviu-se um grito de mulher. A jovem tinha reconhecido Abed. Contudo, como por magia, a moura desapareceu para sempre. Abed fugiu de seguida. Só as damas cristãs que a acompanhavam testemunharam o sucedido.
Desesperado, o guerreiro cristão que com ela vivia tudo fez para a encontrar. Procurou incessantemente na ponte e até pagou para que lhe trouxessem Abed vivo para quebrar o encanto. Mas a moura encantada da ponte de Chaves nunca mais apareceu e o cristão morreu numa profunda dor e saudade, ao fim de alguns anos.

Ora, diz o povo, que certa noite de S. João, cheia de luar, pela ponte passou um cavaleiro cristão. Ouviu, surpreso, murmúrios. Não viu ninguém, mas ouviu uma voz de mulher pedindo ajuda e que lhe disse docemente:


- Estou aqui em baixo, na ponte, sob o terceiro arco.


Estranhou a situação. Procurou sob o dito arco; no entanto, continuava sem ver a moura. Ouviu outra vez a moura que agora lhe dizia estar "encantada" e lhe pedia que descesse e a beijasse para a salvar. Mas o cavaleiro hesitou. Tocou no crucifixo que ao peito trazia e recordou-se dos contos que a mãe que lhe costumava contar sobre as desgraças de cavaleiros entregues aos feitiços de mouras encantadas. Perante estes pensamentos, olhou para o cavalo, montou-o e partiu, jurando nunca mais ali passar à meia-noite.
Assim, a moura da ponte de Chaves ali ficou para sempre encantada. E nas noites de S. João, conta o povo, ouvem-se os seus lamentos como castigo do amor que tivera por um cristão.

 

 

1. O pastel de Chaves

Por volta de 1862 havia uma vendedora, cuja origem se desconhece, que percorria a cidade de Chaves com uma cesta contendo uns pastéis de forma estranha. Porém este petisco não era produzido em quantidade suficiente de modo a saciar os flavienses. Assim, para por fim a tal escassez e para satisfação da gula transmontana, a dona da taberna o "Antigo Pasteleiro" terá oferecido uma libra pela receita de tão gostosa iguaria.

Perdurando na memória e no paladar, os pastéis acabaram por conquistar um lugar de destaque na gastronomia nacional, sendo reconhecidos como os “melhores pastéis folhados de Portugal”.